sábado, 21 de janeiro de 2012

Pequena trajetória

       De uma barriga comum....não foi desta que nasci!
       Aprontaram-me para o mundo: mãos, veias, sangue, corpo...tudo pronto...é hora chegada e com ela eu vim. Doze badaladas de um relógio na praça...o sol ardia! Minha mãe suava, gemia...arrancaram-me dela à força. Acho que queria a penumbra pelo tempo afora.
       De ruas descalças, de portas sem trancas, em casas sem muro vivi. Foram sete anos. Saudade? Muitas!!
Alimentação? Restrita demais.
Carne? Nem sei quando chegava....
Televisão? Não conheci.
Rádio? Não ouvi.
Amigos? Inúmeros naquela rua descalça por onde somente os cavalos passavam; pés desnudos de crianças... e os de adultos... chinelos.
SÃO PAULO: a cidade maravilhosa, da garoa, das ruas "enroupadas", das crianças abandonadas, dos jovens desmiolados, das trancas nas portas, dos muros altos e de grades nas janelas.
Vivi aqui.
Vivo ainda aqui. Vivo? Cresci com medo! Tenho-o ainda aqui guardado.
Fui de escola do Estado; meu pai, pedreiro; minha mãe, só mãe! meu irmão vendendo jornais. Morei nas construções da cidade grande: sem janela, sem porta...por vezes, sem teto!
Cheguei ao curso superior - Puc - particular! Vizinhos pagavam a mensalidade...havia gente boa nessa cidade!
Andei de barriga empinada por nove meses pelas ruas do bairro, a caminho do centro da cidade, de chinelos de dedo e roupas doadas...foi duro! Não me envergonho...tenho as lembranças - bem vivas - ainda comigo.
Outras barrigas me impulsionaram. Fui avante. Cheguei. Estou. Hoje sou....simplesmente feliz!
Pais? Meu pai foi para o outro lado. Do lado de lá me vê e sorri pela flor que brotou e floriu tantos canteiros.
Minha mãe está aqui: bela...uma flor já murcha pelo tempo, mas ainda sedenta pela vida. Um pouqinho de água todo dia e ela sorri! Tão simples.
Hoje já tenho quem possa continuar a história e contar a sua! Minha casa tem teto e o mais duro de tudo: tem grades nas janelas!

Um comentário:

Leo Gargi disse...

Querida Cidinha, que gostoso ler teus escritos e, melhor ainda, saborear a notícia que acompanha teu e-mail...mas, isso não foi novidade...eu já sabia!
Gostoso ler tua história...você sabe que a minha é um pouco parecida, nas privações, não na barriga, pois nunca andei com a barriga empinada por aí, rsrsrsrs.
Menina, pra finalizar...fico orgulhoso de poder dizer que sou teu aluno eterno...nas Letras e na vida.
Obrigado por ser sempre minha professora.
Leo.